Etnografia: o exercício do olhar estrangeiro

Etnografia: o exercício do olhar estrangeiro
Etnógrafo Americano Terence Freitas

quarta-feira, 10 de março de 2010

Primeira Aula – Parte 8

A LINGUÍSTICA APLICADA E A CIBERCULTURA

A LA, como se sabe, é mais do que aplicação de teorias linguísticas; sendo uma área interdisciplinar, ao pesquisar questões de linguagem ela utiliza, além de teorias linguísticas, subsídios de outras áreas do conhecimento, como psicologia, sociologia e antropologia (CELANI, 1998, CAVALCANTI, 1986). Da antropologia, nos interessa, mais especificamente, a metodologia etnográfica de pesquisa. A natureza humanista da LA a levou a caminhar na direção de pesquisas linguísticas em contextos sociais diversos, tais como usos da linguagem no trabalho, na escola e em outros contextos mais amplos; levou-a a interessar-se pelas relações de poder, pela ideologia dos discursos, pelos efeitos dos discursos, enfim para os usos da linguagem indissociáveis dos contextos em que são produzidos os discursos. Ou seja, a LA "ampliou o objeto da linguística – a gramática- para a linguagem, o que implica pensar nas práticas de uso da linguagem em tempos, lugares, sociedades e culturas específicas, relações antes consideradas extralinguísticas, e, portanto, fora do escopo das ciências linguísticas." (KLEIMAN,1998,p.54)Incluem-se aí, os usos da linguagem mediados pelo computador.

Nesse caso, envolver linguagem e tecnologia implica migrar para outro espaço e outra cultura, a cibercultura que, nas palavras de Rocha & Montardo (2005), é a matriz de sentidos dos nossos tempos. Esse conceito nos leva a um outro paradigma de pesquisa, menos positivista, onde os espaços são fluidos e desterritorializados e onde as oposições modernas entre online/ virtual e off-line/real são questionadas. Entender, portanto, a web, o ciberespaço como um não-lugar, isto é, um espaço que não é antropológico (Augé, 1994) nos põe a refletir sobre os conceitos de campo, tempo e espaço da etnografia tradicional.

Para Hine (2000, p.8) "o "campo" é uma categoria epistemológica e não ontológica: é um estado da mente." Sendo ele construído pelo pesquisador, não está "lá" anteriormente. O campo é, segundo Turner (data incerta) citado por Hine, "depois de Faucault, um produto do disciplinamento tecnológico."

Pensar, por exemplo, em como se poderá fazer a observação participativa etnográfica do ciberespaço, a distância. "A premissa básica da aproximação ao objeto de estudo merece, então, um redirecionamento." de Rocha & Montardo (2005, p.9).

Rocha & Montardo, em seu artigo defendem um argumento que gostaria de trazer para o âmbito da pesquisa em LA. Baseando-se no pensamento do antropólogo Augé (1994, p. 56) que diz que "a antropologia sempre foi uma antropologia do aqui e do agora porque o autor/pesquisador deve ser o etnólogo que se encontra em algum lugar (seu aqui do momento) e que descreve aquilo que observa ou escuta naquele momento." A proposta das autoras é nomear o presente como cibercultura, pois entendem, assim como eu agora, que grande parte das pesquisas científicas está sendo feita hoje, a partir de sua análise. Concluem as autoras que:

cabe ao pesquisador-etnólogo (linguista aplicado)contemporâneo escolher corretamente o que lhe é mais apropriado, em termos de técnicas e ferramentas de pesquisa, para auxiliá-lo como testemunha de um mundo que também desenrola no ciberespaço e, que tende a cada dia, diminuir concretamente a fronteira entre real e virtual".

Rocha & Montardo, (2005, p.10)

Para Mozo (2005) as mensagens em fóruns, e blogs, por exemplo, podendo ser acessada mesmo quando já encerrados cria nova noção de tempo e de presença, pois mesmo o etnógrafo não precisa estar presente "on-line" junto aos participantes de sua pesquisa.

Não se pode negar que a LA tenha já princípios e metodologia próprios que foram sendo apropriados de outras áreas de investigação. Segundo Kleiman (1998, p.54):

O uso de conceitos, de modelos e de instrumentos de outras disciplinas faz parte do processo de busca e de produção de conhecimentos numa área; a psicolinguística utilizou o método experimental da psicologia e das teorias gramaticais para o estudo do processamento de frases; a Sociolinguística utiliza categorias da sociologia; diversas escolas de semântica utilizaram os métodos da Lógica, da Antropologia,da Psicologia Cognitiva. Saindo um pouco dos exemplos das ciências da linguagem, uma das teorias genéticas sobre o envelhecimento é a teoria dos radicais livres, um conceito derivado da Química.

O que se propõe aqui, é uma nova apropriação metodológica para a LA: a etnografia virtual ou netnografia; originada das áreas de Marketing e Negócios e já inserida nos estudos em Comunicação. Apoiando-nos na ideia de que nossas práticas analíticas dependem da cultura que estudamos, não se pretende aqui, desqualificar as pesquisas "de cunho etnográfico" (como se costuma dizer em LA), mas salientar as diferenças entre a etnografia "presencial" (tradicional) e a virtual e mostrar que essas diferenças são fundamentais para a pesquisa em ambientes virtuais, argumentando em favor de uma etnografia virtual crítica. A metodologia netnográfica na LA faz sentido, uma vez que, num sentido amplo, como nos lembra Hine (2000, p.13) "ao etnógrafo cabe estudar as relações, atividades e significações que se constroem entre e por aqueles que participam dos processos sociais desse mundo".

A LA tem cada vez mais se preocupado com usos cotidianos que se faz da internet, especialmente nas questões relativas à educação.

Quer me parecer que os linguistas aplicados acabam, em muitas de suas pesquisas, focalizando a linguagem e a interação, deixando de fora a cultura em que elas são produzidas e utilizadas. Nessas pesquisas, entra o linguista e fica de fora o etnógrafo.

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